17/05/2016

Resenha do livro Casa de Portugal no Literafro





 Contemporaneidade e relações raciais em Casa de Portugal , de Sergio Ballouk
 Laísa Marra

Casa de  Portugal (Ciclo  Contínuo Editorial,  2015)   é  o   mais   recente lançamento do   escritor   e   poeta paulistano Sergio Ballouk, conhecido por  suas  publicações  nos Cadernos Negros e  por  seu  livro  de  poemas Enquanto  o  tambor  não  chama,  de 2011.
Em Casa  de  Portugal,  Ballouk  traz ao leitor a experiência contemporânea do negro na vida da metrópole, da  relação  dos  sujeitos uns com os outros e com os bens de consumo.Não por coincidência, dois dos  seus  treze  contos  concentram-se,  em  maior  ou  menor  medida,  no espaço do shopping center como um lugar  de  conflito  velado  e,  por  isso mesmo,  exemplar  da problemática das  relações  intersubjetivas  e  entre sujeitos-objetos no capitalismo contemporâneo. Em “Avaliação”, por exemplo, observamos o shopping pela perspectiva crítica o  narrador personagem,  que apresenta o local com   estranhamento:   "um   mundo sem injustiças, sem desigualdades, sem a podridão do dinheiro. Aqui o dinheiro não causa revolta, a revolta ficou lá fora com quem não tem. Aqui se aceita o poder do dinheiro  ou  é  melhor  nem  vir.  Não  é  o  meu  caso." (p.24).  Além  da  questão  de classe, evidente no trecho citado acima, o conto aborda a exclusão e a objetificação do negro como sintomáticas dos shoppings. É inclusive através das observações feitas pelo narrador e de sua leitura sociológica do espaço,  que  inferimos  ser ele um  homem negro,  alguém  consciente  de si e das expectativas  nutridas  pelos  vendedores,  seguranças  (e  leitores?!)quanto  à  sua presença  como  intrusiva  na  lógica  do  espaço  "sem  revoltas".  Sem  entrar  em minúcias, a fim de manter o suspense para os futuros leitores, vale afirmar que em “Avaliação”, como em outros contos do livro, o desfecho da narrativa leva-nos  à quebra de expectativas e, principalmente, ao inevitável reconhecimento das mesmas expectativas.
Mas   também   de   solidariedade   é   feito   o   universo   narrativo   de   Ballouk.   Da camaradagem  dos  jovens  que  iniciam  o  amigo  no  samba-rock  e  no  baile  black  da Casa  de  Portugal,  ao  vizinho  que  se  dispõe  a  ajudar  o  narrador  na  enchente  em “Batalha  Naval” vemos   sendo   desenvolvidas   relações   de   sobrevivência   e   de sociabilidade   na   contramão   da   coisificação   dos   sujeitos encenada   em   outras passagens do livro.
 “A espera das palavras” é ilustrativo quanto a isto. No conto, lemos sobre o primeiro dia de aula de sociologia de uma universidade particular em São Paulo. O professor vai  fazendo  perguntas  vagas  aos  alunos,  que  também  respondem  vagamente. Cristiano,  o  personagem  principal,  espera  sua  vez,  sem  tirar  de  mente  o  que  está óbvio:  são  apenas  dois  os  negros  da  sala  de  aula;  ele  mesmo  e  o  professor.  E,entretanto,  esse  número  reduzido,  dois,    parece  ser  suficiente  para  que  haja possibilidade  de  diálogo  sobre  o  assunto  que  se  insinua,  à espera  da  abertura discursiva,  dessa espera  das  palavras que,  de  fato,  se  concretiza  na  pergunta  do professor para Cristiano:
"–Diga, qual a situação do negro no Brasil?".
  Observamos aqui, além  disso,  o  tema  da  (falta  de)  representatividade  do  negro, trabalhado   de   diversas   maneiras   pelo   livro,   como   um   problema   do   qual   os personagens não podem fugir, sob risco de se tornarem invisíveis. E é contra  essa ameaça,   racista   e   sempre   aberta,   que   Sergio   Ballouk   parece direcionar   sua produção.
 Ademais, a força da narrativa de Ballouk está em trabalhar com a tradição da cultura negra em aspecto amplo. Presentes em seus contos estão Stevie Wonder, Originais do  Samba,  a  Frente  Negra  Brasileira,  Natalie  Cole,  Abdias  do  Nascimento,  o Quilombo  do  Jabaquara,  entre  outras referências  que  marcam  um  local  de  fala perpassado pela existência e resistência política e cultural do negro. Sob esse viés, a posição do personagem Plínio, da ficção científica criada em “Antivírus”, pode ser lida  como  metafórica  da  posição  subversiva  do escritor  frente  à  luta  pelo  direito  à história de uma vasta comunidade negra que insiste em sua memória.
Referência
BALLOUK, Sergio. Casa de Portugal. São Paulo: Ciclo Contínuo Editorial, 2015.
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*Laísa  Marra  é  professora,  Mestra  em  Letras  e  Linguística  pela  Universidade  Federal  de  Goiás  e doutoranda  em  Teoria  da  Literatura  e  Literatura  Comparada  pela  Universidade  Federal  de  Minas Gerais.

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