Contemporaneidade e relações raciais em Casa de Portugal , de Sergio Ballouk
Laísa Marra
Casa de Portugal (Ciclo Contínuo Editorial, 2015)
é o mais
recente lançamento do
escritor e poeta paulistano Sergio Ballouk, conhecido por suas
publicações nos Cadernos Negros e por
seu livro de
poemas Enquanto o tambor
não chama, de 2011.
Em Casa de
Portugal, Ballouk traz ao leitor a experiência contemporânea do
negro na vida da metrópole, da
relação dos sujeitos uns com os outros e com os bens de consumo.Não
por coincidência, dois dos seus treze
contos concentram-se, em
maior ou menor
medida, no espaço do shopping
center como um lugar de conflito
velado e, por
isso mesmo, exemplar da problemática das relações
intersubjetivas e entre sujeitos-objetos no capitalismo contemporâneo.
Em “Avaliação”, por exemplo, observamos o shopping pela perspectiva crítica o narrador personagem, que apresenta o local com estranhamento: "um
mundo sem injustiças, sem desigualdades, sem a podridão do dinheiro.
Aqui o dinheiro não causa revolta, a revolta ficou lá fora com quem não tem.
Aqui se aceita o poder do dinheiro
ou é melhor
nem vir. Não
é o meu
caso." (p.24). Além da
questão de classe, evidente no
trecho citado acima, o conto aborda a exclusão e a objetificação do negro como
sintomáticas dos shoppings. É inclusive através das observações feitas pelo
narrador e de sua leitura sociológica do espaço, que
inferimos ser ele um homem negro,
alguém consciente de si e das expectativas nutridas
pelos vendedores, seguranças
(e leitores?!)quanto à sua presença como
intrusiva na lógica
do espaço "sem
revoltas". Sem entrar em minúcias, a fim de manter o suspense para
os futuros leitores, vale afirmar que em “Avaliação”, como em outros contos do
livro, o desfecho da narrativa leva-nos
à quebra de expectativas e, principalmente, ao inevitável reconhecimento
das mesmas expectativas.
Mas também
de solidariedade é
feito o universo
narrativo de Ballouk.
Da camaradagem dos jovens
que iniciam o
amigo no samba-rock
e no baile
black da Casa de
Portugal, ao vizinho
que se dispõe a
ajudar o narrador
na enchente em “Batalha
Naval” vemos sendo desenvolvidas relações
de sobrevivência e de
sociabilidade na contramão
da coisificação dos
sujeitos encenada em outras passagens do livro.
“A espera das palavras” é ilustrativo quanto a
isto. No conto, lemos sobre o primeiro dia de aula de sociologia de uma
universidade particular em São Paulo. O professor vai fazendo
perguntas vagas aos
alunos, que também
respondem vagamente. Cristiano, o
personagem principal, espera
sua vez, sem
tirar de mente
o que está óbvio:
são apenas dois
os negros da
sala de aula;
ele mesmo e
o professor. E,entretanto,
esse número reduzido,
dois, já parece
ser suficiente para
que haja possibilidade de
diálogo sobre o
assunto que se
insinua, à espera da
abertura discursiva, dessa espera das
palavras que, de fato, se concretiza
na pergunta do professor para Cristiano:
"–Diga, qual a situação do negro
no Brasil?".
Observamos
aqui, além disso, o
tema da (falta
de) representatividade do
negro, trabalhado de diversas
maneiras pelo livro, como
um problema do
qual os personagens não podem
fugir, sob risco de se tornarem invisíveis. E é contra essa ameaça,
racista e sempre
aberta, que Sergio
Ballouk parece direcionar sua produção.
Ademais, a força da narrativa de Ballouk está
em trabalhar com a tradição da cultura negra em aspecto amplo. Presentes em
seus contos estão Stevie Wonder, Originais do
Samba, a Frente
Negra Brasileira, Natalie
Cole, Abdias do
Nascimento, o Quilombo do
Jabaquara, entre outras referências que
marcam um local
de fala perpassado pela
existência e resistência política e cultural do negro. Sob esse viés, a posição
do personagem Plínio, da ficção científica criada em “Antivírus”, pode ser lida como
metafórica da posição
subversiva do escritor frente
à luta pelo
direito à história de uma vasta
comunidade negra que insiste em sua memória.
Referência
BALLOUK, Sergio. Casa de Portugal.
São Paulo: Ciclo Contínuo Editorial, 2015.
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*Laísa Marra
é professora, Mestra
em Letras e
Linguística pela Universidade
Federal de Goiás
e doutoranda em Teoria
da Literatura e
Literatura Comparada pela
Universidade Federal de
Minas Gerais.