Mulheres optam por deixar a química de
lado e assumir a textura natural do cabelo; tendência conhecida como
transição é forte nos EUA e ganha adeptas no Brasil
"Ver meu cabelo natural pela primeira vez foi uma
revelação. Ele não era nada seco e quebradiço, como eu pensava. Era
crespo e gostoso de tocar”. O depoimento da britânica Zina Saro-Wina
está registrado em um mini-documentário de sua autoria, recentemente
publicado na versão online do jornal “The New York Times”. O filme trata
sobre as mulheres que estão deixando os cabelos quimicamente alisados
de lado para voltar ao look natural. De acordo com Zina, esta transição é
um fenômeno que vem acontecendo entre as negras norte-americanas nos
últimos três anos e o número de adeptas não para de crescer. No Brasil não poderia ser diferente. Com a população
formada por uma mistura de etnias e majoritariamente com cabelos crespos
ou cacheados, o fenômeno da transição dos cabelos com química para a
textura natural chegou por aqui e é amplamente discutido nas redes
sociais e sites de compartilhamento de vídeos.
Fernando Genaro/ Fotoarena
Adriana André decidiu se livrar do alisamento de uma só vez, raspando os cabelos
O processo pode ser encarado de duas maneiras: cortar todo o
cabelo de uma vez ou ir tratando a parte alisada. Cortar tudo foi a
opção de Adriana André, paulistana de 27 anos. Há dois meses a
cabeleireira trocou o corte liso tipo “chanel” por uma cabeça raspada na
máquina um: “Vou deixar o cabelo natural, sem química. No final do ano
estou pensando em fazer luzes. E se for mudar a forma de novo, quero
deixar cacheado”, disse. Os conhecidos estranharam o novo visual, mas Adriana não
liga: “Me perguntam se virei lésbica, se raspei porque entrei para a
umbanda, mas não estou nem aí”, conta ela, que está adorando a nova fase
“curtíssimo”. Amanda Gil, 29 anos, também optou pelo corte, mas não
chegou a raspar. A profissional autônoma ficou sete meses com o cabelo
de duas texturas até que decidiu fazer o chamado big chop (grande
corte). Retirou toda a parte alisada, ficando com os fios bem curtinhos.
“Nunca tinha usado o cabelo assim, mas não tive escolha! Depois de
fazer o corte gostei, os cabelos curtos são práticos e versáteis”, diz a
carioca. E completa: “Dá sim para ser feminina com os cabelos curtos. É
só usar e abusar da maquiagem e dos acessórios que fazem toda a
diferença!”
Arquivo pessoal
Amanda Gil esperou sete meses para os cabelos naturais crescerem antes de fazer o chamado "big chop"
A história de Amanda com alisamentos vem desde a infância,
quando começou a fazer relaxamento em casa. Depois de uma experiência
desastrosa – relaxou e fez escova progressiva no mesmo dia e quase ficou
careca – foi terminantemente proibida de usar químicas pelo médico
dermatologista. E hoje diz orgulhosa que está há um ano e cinco meses
sem usar nada para mudar a forma das madeixas. “Minha vida mudou completamente. Me sinto realmente livre.
Não suporto mais ver minhas fotos de cabelo alisado. Hoje sim, me sinto
linda. Amo meu cabelo e minha autoestima está sempre lá em cima. Eu
entendi e aceitei que meus cachos são minha identidade”, conclui Amanda. Jacqueline Maciel, 28, está em pleno processo de transição,
com sete meses de raiz crescida. A professora mineira também começou a
alisar os cabelos na infância, mas percebeu que a química prejudicava
seus cabelos. Mesmo decidida a voltar à textura natural, Jacqueline
confessa que o processo não está sendo fácil: “Muitas vezes a vontade de
voltar a relaxar é imensa. Eu optei por não cortar os cabelos, então as
duas texturas no mesmo fio dão uma aparência de mal cuidado. Além
disso, os cabelos processados são fracos e começam a quebrar. É difícil
lidar com a autoestima”, declara. Jacqueline trocou químicas, secador e chapinha por uma rotina
de cuidados que inclui muita hidratação, nutrição e reconstrução das
madeixas. “Os fios reagem muito melhor a qualquer tratamento que eu
faço”, conta.
Palavra dos especialistas Os especialistas confirmam mesmo uma volta aos cabelos
naturais. “Nove entre dez clientes que me mandam e-mail querem saber
como voltar aos cachos naturais”, diz Soraia Ferretti, dona do Lunablu,
salão de São Paulo especializado em cabelos crespos e cacheados. Mas não existe milagre. Dependendo do processo pelo qual
passou o cabelo, só mesmo um corte é capaz de recuperar a forma natural.
Sueli Martins, do Studio Dom, de São Paulo, diz que a transição leva em
média seis meses, dependendo do comprimento do cabelo: “Depois desse
tempo já dá pra fazer um corte e ficar com ele todo natural”. “Se a pessoa fez uma escova definitiva tem que ir deixar
crescer e ir cortando a parte alisada. Se fez progressiva poucas vezes,
existe a possibilidade de só tratar e os cachos voltarem. Se só amaciou,
pode tratar que os cachos voltam na hora”, explica Robson Trindade,
cabeleireiro e visagista do salão paulistano Red Door. Trindade diz que
aproximadamente 70% de sua clientela quer voltar aos cabelos naturais. Para os profissionais, quem tem o cabelo alisado e quer
recuperar a textura natural tem que ter paciência. Raspar tudo é para
poucas corajosas e a maioria acaba mesmo fazendo a transição gradativa.
Durante este processo, além de muita hidratação para controlar o volume,
é necessário que a mulher aprenda a lidar com seu novo cabelo. “O cabelo crespo ou cacheado sem processo químico não é
difícil de cuidar. Existe uma ilusão de que o cabelo liso é mais fácil,
mas não é, basta saber como lidar”, afirma Soraia. Robson concorda e diz
que para cabelos crespos, menos é mais. Ele recomenda lavar com um
xampu que não faça muita espuma, passar condicionador e não enxaguar e
em seguida secar com tecido de algodão cru ou toalha de papel para
controlar o volume. Outra dica valiosa: quem quer recuperar os cachos
deve abandonar a escova e ajeitar os cabelos com os dedos. Assista ao documentário da britânica Zina Saro-Wina no The New York Times (em inglês)
Soldados negros que lutaram por SP são tema de livro
DE SÃO PAULO
O jornalista Oswaldo Faustino resgatou a participação de unidades
militares de voluntários negros paulistas durante a Revolução
Constitucionalista de 1932, conhecida como Legião Negra.
OSWALDO FAUSTINO
Em seu livro "A Legião Negra" (Selo Negro, 2011, 224 págs.), a história é
contada por meio de dois personagens: Tião Mão Grande, o narrador
centenário; e Miro Patrocínio, mestiço que nega a sua origem, mas "se
torna negro" devido às circunstâncias.
Folha - Por que decidiu contar a história da Legião Negra em forma de romance histórico em vez de livro de não-ficção? Oswaldo Faustino - Antes de tudo porque eu sou jornalista e
escritor, não historiador. Minhas pesquisas não se basearam em
documentos, mas em publicações, em entrevistas realizadas com filhos e
netos de combatentes e numa específica, que aconteceu em 1975, com o
doutor Raul Joviano do Amaral. Como membro da Legião Negra, ele chegou a
tenente.
Há planos para filmar a história? O livro é um roteiro?
Honestamente, se um dia a Legião Negra virar filme, vou achar
sensacional, mas só a oportunidade de mergulhar nessa história e poder
produzir um romance já é extremamente compensadora.
Por que negros e mulatos tiveram interesse em se voluntariar para
lutar por São Paulo na Revolução de 1932, que muitos historiadores
consideram um conflito das elites?
Como a Frente Negra [principal organização negra da época] se declarou
neutra, o advogado Joaquim Guaraná Santana e o orador Vicente Ferreira
saíram -ou foram expulsos- dessa instituição, criaram a Legião Negra e
saíram em caravana alistando negros e arrecadando donativos para o
pagamento de seus soldos e para sustentar as famílias dos voluntários.