CASA DE PORTUGAL: UM BELO LIVRO ( por Nelson Maca)
Acabo de ler e curtir o livro Casa de Portugal do soul-brother Sergio Ballouk.
Eu já conhecia a poesia do Sérgio; inclusive tive a oportunidade de ouvi-lo lendo-a em alguns encontros - sempre potentes - em edições do Sarau Elo da Corrente. Na estante, já tinha seu bom Enquanto o Tambor não Chama (Poemas-Quilombhoje).
Casa de Portugal (Ciclo Contínuo) traz uma coletânea de 13 contos singelos, que nos prendem na manha. Nada de arroubos, nada de artifícios, sem pirotecnia, realmente, no balanço, na ginga mesmo, angoleiro. Na mandinga, nos envolve como serpente. Depois tritura os ossos de nossos olhos, len-ta-men-te aperta nossa mente!
Eu tão efusivo, tão gritante, tão atacante, tive que me reposicionar para ler esse livro, tão complementar para mim!
As narrativas circulam por cenas domésticas, nos conectam a grupos de amigos da antiga, nos fazem dançar, paulistanamente, o samba-roque. E mostra a Casa de Portugal como uma casa preta, promove nossa reintegração de posse, nos reensina a dançar, nos leva para o salão. E assim segue, do histórico cabeleireiro da "família" ao presente sarau poético da comunidade.
Em cada conto, o Ballouk deixa transparecer um tanto de si mesmo, transitando do documento pessoal à herança coletiva, além de incursões em "histórias inventadas".
Tudo com uma escrita muito bacana, econômica, tentando evitar palavras a mais ou palavras a menos. Isso me anima bastante, o texto em busca do essencial à história contada faz com que a gente se agarre, com as duas mãos ao livro, e o leia em uma ou duas sentadas!
Experimente...
Enfim, em cada linha, em cada situação, estamos nós, os negros, representados. Mas, como disse, sem arroubos, sem palanque!
Ouso afirmar que a literatura e a dramaturgia negra precisam mergulhar mais e mais nesse exercício de localização do personagem negro e da personagem negra no dia-a-dia. Não apenas de luta, mas também da família, do trabalho, da dança, do sarau...
Em cada canto dos contos de Sérgio Ballouk, me vi, familiarizado! Ainda quando não fala a palavra negro ou constrói cenários de negritude, sabemos que é de nós e de nossas demandas que ele narra bem narrado.
O livro é bonito!
Capa "caixa de som" emitindo, desde já, as vibrações que vem da potência dos contos do Ballouk-Book-System. De Papel pólem, com fontes de tamanho ideal, margens e espaços entre-linhas com respiro... Uma leitura confortável, um "Ciclo Contínuo".
Enfim, queria ainda dizer, com Tim Maia ao fundo: leia o livro!
Nelson Maca
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RESENHA NO SITE LITERAFRO
Casa de Portugal (Ciclo Contínuo Editorial, 2015)
é o mais
recente lançamento do
escritor e poeta paulistano Sergio Ballouk, conhecido por suas
publicações nos Cadernos Negros e por
seu livro de
poemas Enquanto o tambor
não chama, de 2011.
Em Casa de
Portugal, Ballouk traz ao leitor a experiência contemporânea do
negro na vida da metrópole, da
relação dos sujeitos uns com os outros e com os bens de consumo.Não
por coincidência, dois dos seus treze
contos concentram-se, em
maior ou menor
medida, no espaço do shopping
center como um lugar de conflito
velado e, por
isso mesmo, exemplar da problemática das relações
intersubjetivas e entre sujeitos-objetos no capitalismo contemporâneo.
Em “Avaliação”, por exemplo, observamos o shopping pela perspectiva crítica o narrador personagem, que apresenta o local com estranhamento: "um
mundo sem injustiças, sem desigualdades, sem a podridão do dinheiro.
Aqui o dinheiro não causa revolta, a revolta ficou lá fora com quem não tem.
Aqui se aceita o poder do dinheiro
ou é melhor
nem vir. Não
é o meu
caso." (p.24). Além da
questão de classe, evidente no
trecho citado acima, o conto aborda a exclusão e a objetificação do negro como
sintomáticas dos shoppings. É inclusive através das observações feitas pelo
narrador e de sua leitura sociológica do espaço, que
inferimos ser ele um homem negro,
alguém consciente de si e das expectativas nutridas
pelos vendedores, seguranças
(e leitores?!)quanto à sua presença como
intrusiva na lógica
do espaço "sem
revoltas". Sem entrar em minúcias, a fim de manter o suspense para
os futuros leitores, vale afirmar que em “Avaliação”, como em outros contos do
livro, o desfecho da narrativa leva-nos
à quebra de expectativas e, principalmente, ao inevitável reconhecimento
das mesmas expectativas.
Mas também
de solidariedade é
feito o universo
narrativo de Ballouk.
Da camaradagem dos jovens
que iniciam o
amigo no samba-rock
e no baile
black da Casa de
Portugal, ao vizinho
que se dispõe a
ajudar o narrador
na enchente em “Batalha
Naval” vemos sendo desenvolvidas relações
de sobrevivência e de
sociabilidade na contramão
da coisificação dos
sujeitos encenada em outras passagens do livro.
“A espera das palavras” é ilustrativo quanto a
isto. No conto, lemos sobre o primeiro dia de aula de sociologia de uma
universidade particular em São Paulo. O professor vai fazendo
perguntas vagas aos
alunos, que também
respondem vagamente. Cristiano, o
personagem principal, espera
sua vez, sem
tirar de mente
o que está óbvio:
são apenas dois
os negros da
sala de aula;
ele mesmo e
o professor. E,entretanto,
esse número reduzido,
dois, já parece
ser suficiente para
que haja possibilidade de
diálogo sobre o
assunto que se
insinua, à espera da
abertura discursiva, dessa espera das
palavras que, de fato, se concretiza
na pergunta do professor para Cristiano:
"–Diga, qual a situação do negro
no Brasil?".
Observamos
aqui, além disso, o
tema da (falta
de) representatividade do
negro, trabalhado de diversas
maneiras pelo livro, como
um problema do
qual os personagens não podem
fugir, sob risco de se tornarem invisíveis. E é contra essa ameaça,
racista e sempre
aberta, que Sergio
Ballouk parece direcionar sua produção.
Ademais, a força da narrativa de Ballouk está
em trabalhar com a tradição da cultura negra em aspecto amplo. Presentes em
seus contos estão Stevie Wonder, Originais do
Samba, a Frente
Negra Brasileira, Natalie
Cole, Abdias do
Nascimento, o Quilombo do
Jabaquara, entre outras referências que
marcam um local
de fala perpassado pela
existência e resistência política e cultural do negro. Sob esse viés, a posição
do personagem Plínio, da ficção científica criada em “Antivírus”, pode ser lida como
metafórica da posição
subversiva do escritor frente
à luta pelo
direito à história de uma vasta
comunidade negra que insiste em sua memória.
Referência
BALLOUK, Sergio. Casa de Portugal.
São Paulo: Ciclo Contínuo Editorial, 2015.
_____________________________
*Laísa Marra
é professora, Mestra
em Letras e
Linguística pela Universidade
Federal de Goiás
e doutoranda em Teoria
da Literatura e
Literatura Comparada pela
Universidade Federal de
Minas Gerais.
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Compartilhando sensações sobre o livro Casa de Portugal, de Sergio Ballouk.
Ao novo amigo Sergio Ballouk.
Caro novo amigo, li seu livro Casa de Portugal. Pensei imediatamente em escrever-lhe algo, até para exercitar o convite que seus contos me fizeram. Fui reler a apresentação feita por Michel Yakini e quase desisti. Falar mais o que?
O que mais me tocou foi justamente o que ele percebeu: o convite que você nos faz, de “deixar de tanto ensaio e desatar os nós desse ritmo”.
São tantos convites: me inspirou a escrever, a ensinar, dançar...
Conheci seu livro pela pesquisa que desenvolvo na USP, pela Geografia Humana. O tema são os bailes Black como lugar de memória do negro em São Paulo, grosso modo. Mas tem muita coisa por vir, muita reflexão amadurecendo. Fui no lançamento não só pelo livro, mas pela presença no Sr. Osvaldo que me era cara. E foi uma felicidade conhecê-lo.
Como disse M.Y. também adorei sua ironia, o humor, uma leitura prazerosa. Nesse aspecto me chamou a atenção para as descrições do cotidiano que você faz, as relações que você aborda, que só são possíveis de apreender em seu “estado da arte”, redundantemente, pelas artes, pela literatura.
Em muitos casos podemos imaginar bairros periféricos da cidade, famílias negras, contudo em nenhum momento alguma personagem é reduzida ou lembrada apenas pelas mazelas que a população negra sofre. Trabalhamos, estudamos, somos dançarinos, jogadores de futebol, mas também somos doutores. É toda nossa ancestralidade, cultura, renovadas no tempo: “herdeira da ciência do quilombo do Jabaquara sempre seguiu as trilhas das ervas, o tempo da maceração, a filosofia das flores. ”
Um dos contos mais surpreendentes é o Avaliação: ele testa nosso preconceito, esse arraigado em cada canto de nossa mente, nossa pele, e que nos pega de surpresa, reafirmando a necessidade de fortalecer os laços, construir, estudar, produzir, pesquisar, refletir. O livro todo, através da ironia, nos provoca isso. Mas esse conto é a cada parágrafo!
A menção ao facebook no conto Bella Wright para mim é fantástica. Vem no mesmo sentido que disse sobre renovação. Nossas redes nessa “nova” plataforma. Outro dia minha tia, a mesma que foi no lançamento, levou seu pendrive para uma festa, mesmo sem saber apertar uma tecla do computador! Bom, isso dá um conto! Vou exercitar...
Confesso que meu conto preferido é o Batalha Naval. É a geografia e as letras em seu bailado. Material que me convidou a pisar de vez no ensino, explorando em seu conto toda a complexidade que nos envolve: nosso espaço de vivência, mídia, Estado, cotidiano, entre outros. É o conto que me fará dar aviso prévio de vez a repartição pública que trabalho.
Casa de Portugal, que dá nome ao livro, é um amplo convite: sair da TV, viver, se arriscar, aprender a ser feliz, e também se frustrar, aprender a aprender, nesse caso dançar. Aprender a conviver e fortalecer laços. Outro dia assisti boa parte de um filme chamado “Campo de Jogo”. Ele me deu exatamente essa sensação. Parece que quase ninguém mais sabe lidar com todas as emoções de um futebol na várzea, do choro da vitória, passando pela gozação, até as brigas. Um pouco do que você trouxe no conto Ponta de Lança. Estamos cada vez mais imaturos e frios relacionando-nos através da tela.
Aliás, acredito que havia mais coisas para falar, mas o facebook aqui me levou a atenção e a inspiração.
Qualquer coisa escrevo novamente.
O que mais me tocou foi justamente o que ele percebeu: o convite que você nos faz, de “deixar de tanto ensaio e desatar os nós desse ritmo”.
São tantos convites: me inspirou a escrever, a ensinar, dançar...
Conheci seu livro pela pesquisa que desenvolvo na USP, pela Geografia Humana. O tema são os bailes Black como lugar de memória do negro em São Paulo, grosso modo. Mas tem muita coisa por vir, muita reflexão amadurecendo. Fui no lançamento não só pelo livro, mas pela presença no Sr. Osvaldo que me era cara. E foi uma felicidade conhecê-lo.
Como disse M.Y. também adorei sua ironia, o humor, uma leitura prazerosa. Nesse aspecto me chamou a atenção para as descrições do cotidiano que você faz, as relações que você aborda, que só são possíveis de apreender em seu “estado da arte”, redundantemente, pelas artes, pela literatura.
Em muitos casos podemos imaginar bairros periféricos da cidade, famílias negras, contudo em nenhum momento alguma personagem é reduzida ou lembrada apenas pelas mazelas que a população negra sofre. Trabalhamos, estudamos, somos dançarinos, jogadores de futebol, mas também somos doutores. É toda nossa ancestralidade, cultura, renovadas no tempo: “herdeira da ciência do quilombo do Jabaquara sempre seguiu as trilhas das ervas, o tempo da maceração, a filosofia das flores. ”
Um dos contos mais surpreendentes é o Avaliação: ele testa nosso preconceito, esse arraigado em cada canto de nossa mente, nossa pele, e que nos pega de surpresa, reafirmando a necessidade de fortalecer os laços, construir, estudar, produzir, pesquisar, refletir. O livro todo, através da ironia, nos provoca isso. Mas esse conto é a cada parágrafo!
A menção ao facebook no conto Bella Wright para mim é fantástica. Vem no mesmo sentido que disse sobre renovação. Nossas redes nessa “nova” plataforma. Outro dia minha tia, a mesma que foi no lançamento, levou seu pendrive para uma festa, mesmo sem saber apertar uma tecla do computador! Bom, isso dá um conto! Vou exercitar...
Confesso que meu conto preferido é o Batalha Naval. É a geografia e as letras em seu bailado. Material que me convidou a pisar de vez no ensino, explorando em seu conto toda a complexidade que nos envolve: nosso espaço de vivência, mídia, Estado, cotidiano, entre outros. É o conto que me fará dar aviso prévio de vez a repartição pública que trabalho.
Casa de Portugal, que dá nome ao livro, é um amplo convite: sair da TV, viver, se arriscar, aprender a ser feliz, e também se frustrar, aprender a aprender, nesse caso dançar. Aprender a conviver e fortalecer laços. Outro dia assisti boa parte de um filme chamado “Campo de Jogo”. Ele me deu exatamente essa sensação. Parece que quase ninguém mais sabe lidar com todas as emoções de um futebol na várzea, do choro da vitória, passando pela gozação, até as brigas. Um pouco do que você trouxe no conto Ponta de Lança. Estamos cada vez mais imaturos e frios relacionando-nos através da tela.
Aliás, acredito que havia mais coisas para falar, mas o facebook aqui me levou a atenção e a inspiração.
Qualquer coisa escrevo novamente.
Igor Santos Valvassori – São Paulo, 23 de março de 2016
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SERGIO BALLOUK CHAMA PRA DANÇAR
“Disseram que ele não vinha,
olha ele aí...”
Jorge Ben – Galilleu da Galiléia
olha ele aí...”
Jorge Ben – Galilleu da Galiléia
Quando Sergio Ballouk me enviou os contos de Casa de Portugal, eu já esperava essa obra há algum tempo durante a preparação do livro. Sou leitor assíduo dos contos que ele publica nos Cadernos Negros e sua prosa é do meu agrado.
Ballouk confirma a trança entre palavra e identidade que versou o seu primeiro livro Enquanto o tambor não chama, mas dessa vez, na prosa curta, apresenta um trampo afinado na construção dos personagens, nos diálogos e principalmente no uso da ironia.
Fiz a leitura sorrindo. Na alegria de ver mais um livro de contos florindo em nossa literatura e por essa prosa me deixar um sentimento de graça, mesmo nas temáticas sérias, pois Ballouk provoca o riso, sabe que na ironia prevalece a liberdade de criação e de interpretação, sendo mestre na arte de interrogar e desconstruir estórias, sem pontuar verdades de vidro.
Seus contos rememoram nossas reuniões familiares na beira da escada, aquela conversa despretensiosa no ponto de ônibus, as lambanças de um casado x solteiro e as quenturas de um baile sportchic, como no conto clássico que dá título ao livro.
Casa de Portugal é um livro de afetividades e contradições, entre o cotidiano e o absurdo, com um texto de representação direcionado, seja na presença recorrente da família (extensa) preta e da molecada, seja na descrição do espaço narrativo e dos personagens, ou nas entrelinhas e surpresas de cada enredo, que marcam o estilo do autor.
E, na cadência do samba-rock, Sergio Ballouk nos convida a deixar de tanto ensaio e desatar os nós desse ritmo, cada um ao seu estilo, pois é hora de dançar com as palavras, ouvindo as tradições e rodopiando o futuro. Bem vindo à Casa de Portugal! Alô, como vai, como é que é?
Ballouk confirma a trança entre palavra e identidade que versou o seu primeiro livro Enquanto o tambor não chama, mas dessa vez, na prosa curta, apresenta um trampo afinado na construção dos personagens, nos diálogos e principalmente no uso da ironia.
Fiz a leitura sorrindo. Na alegria de ver mais um livro de contos florindo em nossa literatura e por essa prosa me deixar um sentimento de graça, mesmo nas temáticas sérias, pois Ballouk provoca o riso, sabe que na ironia prevalece a liberdade de criação e de interpretação, sendo mestre na arte de interrogar e desconstruir estórias, sem pontuar verdades de vidro.
Seus contos rememoram nossas reuniões familiares na beira da escada, aquela conversa despretensiosa no ponto de ônibus, as lambanças de um casado x solteiro e as quenturas de um baile sportchic, como no conto clássico que dá título ao livro.
Casa de Portugal é um livro de afetividades e contradições, entre o cotidiano e o absurdo, com um texto de representação direcionado, seja na presença recorrente da família (extensa) preta e da molecada, seja na descrição do espaço narrativo e dos personagens, ou nas entrelinhas e surpresas de cada enredo, que marcam o estilo do autor.
E, na cadência do samba-rock, Sergio Ballouk nos convida a deixar de tanto ensaio e desatar os nós desse ritmo, cada um ao seu estilo, pois é hora de dançar com as palavras, ouvindo as tradições e rodopiando o futuro. Bem vindo à Casa de Portugal! Alô, como vai, como é que é?
Michel Yakini
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Sobre o livro - Fernanda Sousa
Falar sobre o livro, nesse momento, é quase como se eu falasse em primeira pessoa. Ainda me soa um tanto estranho, meio presunçoso, horário político, metido um pouco. Deixo aqui o texto da Fernanda Sousa, que apresenta o livro de forma limpa e direta. Ajudou a entender o que escrevi:
"Lançamento imperdível do livro "Casa de Portugal", de Sérgio Ballouk, que tive o prazer de revisar. Obra que reúne narrativas que, com uma linguagem leve e, ao mesmo tempo, cortante, expõe as belezas e durezas do (nosso) cotidiano, com o olhar de quem olha mais para as margens do que para os centros, invertendo situações, explorando o inesperado, valorizando o simples da vida. Leitura altamente recomendada!"
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