matéria postada no iG São Paulo | 26/04/2012 10:23:23
- Atualizada às
STF julga constitucionais as cotas raciais em universidades
Por unanimidade, ministros votaram a favor da reserva de vagas para negros no ensino superior
O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou, por unanimidade,
improcedente a ação que questionava o sistema de cotas raciais em
instituições públicas de ensino superior. Dez ministros votaram pela
constitucionalidade das cotas raciais: Ricardo Lewandowski, Luiz Fux,
Rosa Weber, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Gilmar Mendes,
Marco Aurélio, Celso de Mello e o presidente Ayres Britto. O ministro
Dias Toffoli não participa do julgamento porque deu parecer a favor das
cotas quando era advogado-geral da União.
Foto: Agência Brasil
Platéia que assistiu o julgamento do STF sobre cotas para negros
Foram dois dias de julgamento. Na quarta-feira, apenas Ricardo Lewandowski,
relator da ação, concluiu que a política de cotas da Universidade de
Brasília (UnB) é constitucional e julgou “totalmente improcedente” a
ação do partido Democratas (DEM) que a questiona. Após o voto, o
presidente do STF, ministro Ayres Britto, encerrou a sessão que foi
retomada nesta tarde, às 14h30.
Lewandowski afirmou que o Estado pode lançar mão de ações afirmativas
que atingem grupos sociais determinados, de modo a permitir-lhes a
superação de desigualdades históricas. O relator apontou que os
critérios objetivos, “pretensamente isonômicos”, do vestibular quando
empregados de forma linear em sociedades marcadamente desiguais como a
brasileira, acabam por consolidar ou até mesmo acirrar as desigualdades
existentes. Lewandowski também destacou que as ações afirmativas são
temporárias. Entenda as ações e os argumentos dos dois lados
O ministro Luiz Fux abriu o segundo dia do
julgamento e seguiu Lewandowski, votando pela improcedência da ação do
DEM. Fux elogiou o voto do relator e leu uma carta aberta do Centro
Acadêmico da UERJ, que adota o sistema de reserva de vagas há 10 anos.
Os alunos citam que a universidade se tornou um ambiente “mais
democrático, menos desigual e, principalmente, mais brasileiro”. O
ministro também argumentou que opressão racial dos anos da sociedade
escravocrata brasileira deixou cicatrizes no campo da educação. “De
escravos de um senhor, (os negros) passaram a ser escravos de um
sistema”, ressaltou.
Durante a fala de Fux, a sessão deve de ser interrompida para a
retirada de membros da comunidade indígena que protestavam por não
estarem sendo citados no tema das cotas raciais. A fala dos
participantes da tribuna não é permitida durante o voto dos ministros.
A ministra Rosa Weber também considerou a política
de cotas constitucional. Na avaliação da magistrada, a disparidade
racial é flagrante na sociedade brasileira e, como a condição social e
histórica especifica dos negros os afasta das mesmas oportunidades que
os brancos, a intervenção estatal para diminuir essa desigualdade é
valida. “Liberdade e igualdade andam de mãos dadas. Para ser livre é
preciso ser igual, para ser igual é preciso ser livre”, destacou a
ministra.
Cármen Lúcia também seguiu o relator e votou pela
improcedência da ação contra as cotas raciais da UnB. Para a ministra,
as ações afirmativas não são a melhor opção, o ideal seria termos uma
sociedade na qual todos fossem igualmente livres para ser o que
quiserem. Cármen concluiu que as cotas da UnB não colidem com a
constituição, mas ao contrário, contribuem para todos se sentirem
iguais. Joaquim Barbosa, vice-presidente do STF e o único
ministro negro da Corte, também acompanhou o voto do relator. Barbosa
destacou que sua opinião sobre o tema já é de conhecimento público e
inclusive foi objeto de um livro publicado há 11 anos. O ministro
afirmou que as ações afirmativas sofrem resistência, "sobretudo, da
parte daqueles que se beneficiam ou se beneficiaram da discriminação que
são vítimas os grupos minoritários". Ele ressaltou também que o
objetivo das ações afirmativas é combater a discriminação de fato,
arraigada na sociedade, e promover a harmonia e paz social.
O ministro Cezar Peluso iniciou sua fala dizendo que
seria desnecessário acrescentar qualquer consideração ao voto do
relator, e acompanhou integralmente a decisão de Lewandowski. Para
Peluso, as ações afirmativas são um experimento que o Estado brasileiro
está fazendo e que poderá ser verificado e aperfeiçoado.
Gilmar Mendes também julgou improcedente a ação,
mas apontou ressalvas ao modelo da UnB. Ele ressaltou o problema dos
chamados “tribunais raciais”, comissões que julgam se os alunos são
negros ou não e que ocasionalmente cometem erros, como nos casos de
candidatos irmãos que foram classificados com raças diferentes. O
ministro destacou as “enormes dificuldades na classificação” dos
estudantes e as poucas vagas nos cursos, que causam tensão entre os
candidatos – Direito na UnB, por exemplo, tem 50 vagas. Ele apontou em
seu voto que tem muitas dúvidas sobre o critério puramente racial das
cotas, que permite distorções socioeconômicas e pode “gerar perversões”
ao privilegiar pessoas negras ricas que tenham tido boas condições de
estudo.
Marco Aurélio também foi totalmente favorável as
cotas. O ministro recuperou a ideia de igualdade na história das
constituições e falou de como havia diferença entre o direito e a
realidade dos fatos. “Até chegar ao quadro de 1988, havia apenas
formalização da igualdade. Na atual constituição dita cidadã,
sinalizou-se mudança de postura”, disse citando a escolha de uso de
verbos que evidenciava uma tentativa de mudança de postura. Leu os
trechos “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “garantir o
desenvolvimento nacional, não de forma estática, mas ativa” e “Promover o
bem de todos sem preconceito”. Para ele "a neutralidade mostrou-se um
grande fracasso".
Celso de Mello acompanhou integralmente o
relator. "Esse julgamento é sobre um dos mais importantes temas no
Brasil. Traduz o compromisso que o País assumiu ao assinar cartas
internacionais. Extrair a máxima eficácia das declarações em ordem a
tornar possível os ganhos sociais reconhecidos em favor de quaisquer
grupos é dever de todos nós".
O presidente do tribunal, Ayres Britto, falou por último e adiantou o
seu voto com o relator antes mesmo de argumentar. "Quem não sofre
preconceito pela cor da sua pele, não se sente igual, se sente superior.
Nunca houve necessidade de constituição para beneficiar os hegemônicos,
só foi proclamada igualdade para favorecer os desfavorecidos. Os
brancos e heterossexuais nunca precisaram de constituição."
Foto: Agência Brasil
O presidente do STF, ministro Ayres Britto, e o relator da
ação, ministro Ricardo Lewandowski, durante o julgamento das cotas
(25/04)
Apesar da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
186, impetrada pelo DEM em 2009, ser específica e questionar a
constitucionalidade do programa que reserva 20% das vagas da UnB para
negros, a decisão do Supremo determinará jurisprudência sobre as cotas e
influenciará futuras decisões do Congresso Nacional sobre leis que
reservam vagas em universidades.
Junto dessa ação, há um recurso feito por um estudante que alega ter
sido prejudicado com o sistema de cotas implementado pela Universidade
Federal do Rio Grande do sul (UFRGS). No Recurso Extraordinário 597.285,
de 2009, ele pede a inconstitucionalidade do sistema.
Leia também: Ministro Joaquim Barbosa é usado como "exemplo negro" em julgamento de cotas
Os argumentos contra e a favor das cotas já foram bastante debatidos
dentro do STF. Em 2010, o ministro relator da ação, Ricardo Lewandowski,
realizou audiências públicas com especialistas em educação, professores
e advogados para tratarem do tema. Primeiro dia
O primeiro dia do julgamento começou com a sustentação oral de
Roberta Fragoso, advogada do DEM, que argumentou que os critérios para a
definição da cor do estudante e que as cotas raciais estimulariam o
racismo ao dividir a sociedade em raças. Roberta citou ainda um estudo
que comprova que mesmo com a aparência negra as pessoas podem ter a
maior porcentagem de sua ancestralidade europeia, como Neguinho da Beija
Flor e a ginasta Dayane dos Santos.
Em seguida, a procuradora federal Indira Quaresma falou pela UnB e
defendeu o sistema de cotas raciais da universidade por ser “reparatório
para corrigir as injustiças do passado”. A procuradora respondeu às
críticas sobre a dificuldade de definir a raça de uma pessoa em uma
sociedade miscigenada afirmando que “os olhares brasileiros identificam
os negros em qualquer ambiente” e que as ciências naturais não são
superiores às ciências sociais.
Pela Advocacia Geral da União, falou Luis Inácio Lucena Adams, que
declarou improcedente a ação do DEM e defendeu as políticas de ação
afirmativa do governo federal. Adams destacou que o Brasil sempre
participou do compromisso de promover uma sociedade racialmente mais
igualitária, mas que não realizou ações suficientes para tal. O
advogado-geral da União apontou ainda que o Brasil precisa enfrentar
este desafio para ser um país de primeiro mundo.
Em seguida, falaram amigos da corte, representantes de movimentos
sociais que deram sua opinião para auxiliar os magistrados a chegar a
uma decisão. A primeira parte do julgamento foi finalizada pela
vice-procuradora geral da República, Déborah Duprah, que falou pelo
Ministério Público Federal. Ela também pediu à corte a improcedência da
ação e criticou o argumento de que as cotas deveriam ser somente para
estudantes pobres, lembrando que há políticas de cotas para mulheres e
para deficientes físicos sem o recorte social. “Por que essa questão
(social) só aparece nas cotas raciais?”, provocou. Prouni
Outra ação que estava na agenda do SFT para ser analisaria a partir
de quarta-feira é o programa do governo federal que dá bolsas a jovens
de baixa renda em instituições privadas de ensino. A Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) impetrada pela Confederação Nacional dos
Estabelecimentos de Ensino (Confenen) contra o programa alega que as
instituições filantrópicas, por determinação da Constituição Federal,
não pagam impostos. Com as exigências do Ministério da Educação (MEC)
para a oferta de números mínimos de bolsas por elas, a entidade acredita
que a lei de criação do Prouni fere a constituição.
GOTA DO QUE NÃO SE ESGOTA Cuti (Luiz Silva)
cota é só a gota a derramar o copo não a mágoa do corpo mas energia represada que agora se permite e voa em secular esforço de superar-se coisa e se fazer pessoa
cota é só a gota apenas nota de longa pauta a ser tocada com o fino arco em mãos calosas
cota é só a gota a explodir o espanto de se enxugar no riso a imensidão do pranto
ela é só a gota ruindo pela base a torre de narciso
é só a gota entusiasmo na rota afirmativa que ameniza as dores da saga suas chagas de desigualdade amarga
cota é só a gota meta de quem pagou e paga desmedido preço de viver imposto e agora exige seu direito a voto na partição do bolo
é só a gota de um mar de dívidas contraídas pelos que sempre tornaram gorda a sua cota
cota é só a gota afrouxando botas de um exército para o exercício da eqüidade
cota não reforça derrota equilibra entre ponto de partida e ponto de chegada a vitória coletiva reinventada. ( in: Negroesia, p.73)
Intriga
inicialmente pela capa, sabe-se que é uma criança negra, encolhida e suja,
acinzentada, não dá maiores pistas. A Menina Ícaro de Helen Oyeyemi é fruto de
admiração, sendo este o seu primeiro romance, escrito durante os anos no
ensino médio. Uma grande parábola sobre libertar-se e suas conseqüências. Ou
simplesmente Voe, como costuma dizer Oubi Inaê Kibuko, um dos
participantes da discussão do Quilomboletras deste último sábado. Jessamy Harrisson ( Jess, Jessy ou Wuraola) é o personagem que nos transporta em
seu universo de descobertas,
incertezas, medos, com a varredura de olhar proporcionado por uma
notável escritora, muito embora causando certa estranheza, se pensarmos que se
trata de personagem de oito anos. E muitas vezes, até mesmo pela quantidade de
páginas (penso que poderia ser enxugado!), e dinâmica da narrativa, rápida,
suspense, texto repleto de oralidade Segue buscando carreira de
best-sellers?. Sim, é possível.
Antecipando a trama, cheguei a
acreditar que se tratasse de problema de múltipla identidade com o
aparecimento de Tilly Tilly(Titiola), a mulher de braços compridos, Fern ( a
irmã gêmea morta). Ledo engano, a coisa é mais embaixo, ou dentro, ou muitas
outras incógnitas, essa é a impressão que fica, quantas incógnitas...
Deixando
um pouco de lado Jessy, assim chamada na presença da arteira Tilly Tilly, vale
destaque o avó nigeriano Baba Gbenga, sua força patriarcal e representação
mítica.
Amigos estarei dia 28/04 no CEU JAÇANÃ participando do evento EU, ELES, NOZES E VOZES. Farei o que gosto de fazer: declamar poemas e homenagear Carolina Maria de Jesus, dialogando com as fotos Carolineando de Diego Balbino. Compareçam.
Nos dias
14, 21, 28/04 e 05/05 acontece o evento gratuito: Eu, Eles, Nozes e Vozes... Um
Tanto de Gente, Um Tanto de Arte
O Movimento
Cena Norte realizará nos dias 14, 21, 28/04 e 05/05 o evento, sem fins
lucrativos, “Eu, Eles, Nozes e Vozes... Um Tanto de Gente, Um Tanto de Arte”. Único na sua
modalidade, contará com diversos grupos artísticos, profissionais e amadores
que se apresentarão gratuitamente nos espaços do CEU Jaçanã, Centro Cultural da
Juventude Ruth Cardoso e Senac Santana. Sempre com
início às 13h, segue abaixo a programação.
14/04:
Ceu Jaçanã Banda Groove
(Mpb), Grupo Teatral Meal (Mocidade Espírita André Luiz), Cantora Carla Casado,
Cultura dos Tambores, Grupo Teatral Odisséia, Grupo Teatral a Palavra e o
Gesto, Grupo de Dança Africambo, Maestro Ricardo Boaventura (Fanfarra), Mali
(Samba E Percussão), Dora Coppola(Atriz Solo), Coral Vozes Do Caminho, Diego
Balbino (Exposição De Fotos).
21/04:
Centro Cultural Da Juventude Ruth Cardoso Banda Bora
(Rock), Maestro Rodrigo de Souza Pinto e Alunos da Rede Municipal da Emef
General Júlio Marcondes Salgado, Bruno Brasil (Músico Mpb), Grupo De Dança
Africambo, Cia Ícaro (Balé), Teatro Silva, Agitaí Brasil, Diego Balbino
(Exposição De Fotos).
28/04:
Ceu Jaçanã Banda Vento
Motivo (Rock), Fanfarra com o Maestro Fábio Boaventura, Renato Parada (Cantor
De Mpb), Sergio Ballouk (Poesia), Grupo Teatral na Corda Bamba, Cigana Rosa
Rubro (Dança Cigana, Grupo de Dança Hip Hop do Ceu Jaçanã, Sergio Ballouk
(Poesia), Quadrela Cia De Dança, A Maestrina Miriam (Fafarra), Cultura dos
Tambores (Jongo e Maculelê), Diego Balbino (Exposição De Fotos).
05/05:
Senac Santana Grupo de
Artes Cênicas (O Telefone), Improrriso Comédia Stand Up, Grupo Teatral Off Off
Broadway, Grupo De Artes Cênicas (Horóscopo), Grupo De Artes Cênicas (Negócios
de Ocasião). Super
programação imperdível! Mais
informações: CEU Jaçanã 11 3397-3977
Estrelas
nos Passos ( A Favela) - O preço do metro quadrado deveria ser menor do
que a necessidade humana de moradia. Na avenida Paulista os imóveis não
precisam "pegar fogo" pra que saiam os inquilinos inadimplentes.
O assunto em si é interessante, leitura prezerosa, gostosa de acompanhar, agora, utilizar o título Herança Maldita, forçou ôô Carta Capital. Parece chamada de filme do Boris Karloff, terror puro. Ou lembrando um poema "Terror negro encarnado"
Para
o organizador da recém-lançada antologia de Literatura e
Afrodescendência no Brasil, os autores negros continuam sendo ignorados.
Foto: Washington Alves
Em 2011 um comercial da Caixa Econômica Federal retratou o escritor
Machado de Assis como um dos mais antigos correntistas da empresa. O
objetivo era comemorar os 150 anos da instituição, mas o resultado foi
uma chuva de críticas de entidades ligadas às questões raciais. A peça
trazia Machado, um afrodescendente, interpretado por um ator branco.
Criticada pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
da Presidência da República (Seppir), a Caixa prontamente tirou o vídeo
do ar com um pedido de desculpas.
Para o especialista em literatura afro-brasileira Eduardo de Assis
Duarte, o caso foi apenas mais um no esforço histórico para apagar as
raízes africanas do escritor. Lançada em 2011 e organizada por Duarte, a
antologia Literatura e Afrodescendência no Brasil (Editora UFMG)reúne
vida, obra e análise crítica de cem autores negros em 2 mil páginas e
quatro volumes. O objetivo é ampliar a visibilidade e a reflexão a
respeito dos escritores afro-brasileiros. Em entrevista concedida por
telefone a Carta na Escola, o doutor em Literatura pela USP
fala de novas leituras possíveis de autores consagrados, de preconceito e
dos entraves ao ensino da literatura afro-brasileira nas escolas.
Carta na Escola: Como o professor pode usar a antologia Literatura e Afrodescendênciano Brasil para selecionar autores e ler com seus alunos?
Eduardo de Assis Duarte: A antologia é fruto de uma pesquisa de dez
anos, envolvendo 65 professores e pesquisadores vinculados a 21
universidades brasileiras e a seis universidades estrangeiras.
Pro-curamos cobrir a produção dos afro-brasileiros em todas as regiões
do País e, com isso, dar visibilidade a autores relegados, tanto por
estarem distantes dos grandes centros -como por tratar da questão
racial. Procuramos construir uma obra útil ao professor em diversos
sentidos. Lá, ele encontra não apenas autores completamente esquecidos,
como o poeta paulista negro Lino Guedes, como também autores clássicos,
como Machado de Assis, que foram embranquecidos pelo sistema e
apresentados como indivíduos alienados de sua condição étnico-racial e
mesmo alheios aos problemas do seu tempo.
CE: Como o senhor definiria a literatura afro-brasileira? Ela é caracterizada pelo autor ou pela temática?
EAD:Pelos dois. Mas, isoladamente, nem o autor nem a
temática são suficientes. Porque há, por exemplo, autores brancos que
falam do negro a partir de uma -perspectiva dominante, europeia. E,
muitas vezes, o negro é colocado como uma figura folclórica ou apenas
como o tema. É preciso uma articulação entre autoria e temática e,
subjacente a ambas, o ponto de vista identificado com a
afrodescendência, ou seja, com a visão de mundo do negro. Quando você
tem um ponto de vista afro identificado, isso interfere na linguagem, e a
linguagem dessa literatura surge despida dos estereótipos e dos valores
disseminados pelo o que a gente chama de “branquitude” hegemônica. Essa
conjunção de autoria, temática, ponto de vista e linguagem – todos eles
fundados no ser e no existir do negro – visa atingir um quinto elemento
dessa construção cultural, que é a formação de um público receptor
afrodescendente. Só a partir dessas cinco instâncias é possível falar de
uma literatura afro-brasileira ou negra na plenitude do termo.
CE: Alguns autores como Cruz e Sousa e Lima Barreto já são estudados
nas aulas de Literatura, tratá-los como autores afro-brasileiros
mudaria o modo como são estudados?
EAD:Sem dúvida. Cruz e Sousa é apresentado aos
estudantes como um “negro de alma branca”, um poeta alienado de sua
condição étnica e social. E, em geral, só são lidos seus primeiros
textos, marcados pelas repetições de imagens caras ao simbolismo.
Os textos mais maduros, como Emparedado, em que ele faz uma
crítica muito forte ao racismo embutido na ciência e na filosofia da
segunda metade do século XIX, ficam de fora. Então, ver Cruz e Sousa
como um autor negro dá abertura para a leitura desses textos mais
políticos. A mesma coisa com Lima Barreto. Ele é apresentado como um
romancista menor, uma espécie de cronista de subúrbio, ainda acusado de
escrever mal. Com isso, fica de lado todo um trabalho de Lima Barreto
com os afrodescendentes. Eu citaria, por exemplo, o preconceito racial
que é transformado em drama literário por ele. Essa questão está
presente em dois de seus romances esquecidos. O primeiro é Recordações do Escrivão Isaías Caminha e o outro é Clara dos Anjos,
em que a questão da mulher afrodescendente é colocada de outra forma.
Normalmente, a literatura brasileira hegemônica trata a mulata dentro
daqueles estereótipos da mulata assanhada e sensual. Em Clara dos Anjos
a coisa é diferente: você tem um caso de sedução de uma menina mulata
por um branco, em que ela é abandonada. As relações inter-raciais são
trabalhadas tanto em Lima Barreto quanto em Cruz e Sousa de maneira
problemática e não como um aspecto folclórico, festivo, carnavalesco do
País.
CE: Recentemente, tivemos o caso do comercial da Caixa Econômica
Federal que mostrava um Machado de Assis “embranquecido”. O que
caracteriza Machado de Assis como um escritor afrodescendente? Existe
esforço da crítica em minimizar esse fato?
EAD:É um problema. Há um esforço histórico no
Brasil de embranquecimento de Machado de Assis. Quando Machado morre em
1908, foram emitidos dois documentos. O primeiro é um atestado de óbito
que afirma que ele é branco. Mas a máscara mortuária, tirada no mesmo
dia, expressa com toda nitidez seus traços de afrodescendente. O
episódio da Caixa Econômica é apenas mais um capítulo e deve-se
destacar, inclusive, a pronta intervenção dos órgãos governamentais que,
sensíveis às milhares de mensagens de protesto surgidas na internet,
logo se desculparam e substituíram o comercial. Os romances machadianos
recusam o panfletarismo e o imediatismo da luta política daquela época e
adotam a “poética da dissimulação”, conjunto de procedimentos em que a
ironia é apenas a ponta do iceberg. Muitas vezes, para falar do negro,
Machado fala do branco. Um ponto curioso no projeto romanesco do
escritor é que ele mata os senhores de escravos em quase todos os
livros. Em Memorial de Aires, Machado mata o barão de Santa Pia
logo após o fim da escravidão. O velho escravocrata não aguenta ver a
festa dos negros celebrando a abolição e morre três semanas depois. O
curioso é que a herdeira da fazenda distribui a terra entre os antigos
escravos. É a primeira cena de reforma agrária do romance brasileiro.
Ninguém comenta isso. Machado sempre foi contra a escravidão, mas havia
um pudor imenso quanto à utilização do texto panfletário na literatura.
Nas crônicas, que são muito pouco estudadas, ele é muito mais explícito.
Mas ali ele estava protegido pelo pseudônimo. José Galante de Sousa, um
dos maiores estudiosos da obra machadiana, anotou 23 pseudônimos em
textos de Machado de Assis.
CE: O escritor moçambicano Mia Couto, na Conferência
Internacional de Literatura, em Estocolmo, declarou que “a África tem
sido sujeita a sucessivos processos de essencialização e folclorização, e
muito daquilo que se proclama como autenticamente africano resulta de
invenções feitas fora do continente. Os escritores africanos sofreram
durante décadas a chamada prova de autenticidade: pedia-se que seus
textos traduzissem aquilo que se entendia como sua verdadeira
etnicidade”. Em que medida tratar os autores por sua etnia não acaba
reduzindo a apreciação de sua produção artística?
EAD:Mia Couto está certo. Há uma idealização da
África, mas acontece que essa queixa pode-se aplicar a qualquer outro
continente ou país. Basta ver o caso brasileiro: nós habitamos um país
“abençoado por Deus e bonito por natureza” e somos um país com uma
espécie de “essência mestiça” que nos faz alegres, tolerantes,
receptivos, sensuais etc. Quantos de nós não acreditamos piamente nisso?
Muitos autores negros vão acabar idealizando uma “Mãe África” até como
-forma de se contrapor a essa ideia de -paraíso tropical difundida aqui
pelo pensamento hegemônico brasileiro. Quando nós falamos de literatura e
afrodescendência, não estamos sendo benevolentes ou abrindo mão de
abordagens críticas. Em toda produção cultural há obras boas e ruins. Se
hoje muitos escritores fazem questão de se declarar negros e afirmar em
seus textos os valores inerentes à essa condição, certamente eles têm
razões históricas para isso. Não seria um gesto de legítima defesa? No
dia em que o Brasil for uma sociedade multiétnica e verdadeiramente
democrática, acho que não vai haver necessidade de cunhar essa vertente
das nossas letras com o qualificativo de “negra” ou “afro-brasileira”.
CE:A lei que determina a obrigatoriedade do ensino
da história e da cultura afro-brasileira (n.º 10.639/2003) mudou a
recepção desse tipo de literatura nas escolas?
EAD: Ela tem mudado, mas muito lentamente. Na maioria das escolas, a
lei só é lembrada em 13 de maio e 20 de novembro. Isso porque falta à
maioria dos professores capacitação e mesmo repertório para tratar das
questões com os alunos de forma adequada. Até hoje, os cursos voltados à
formação docente ignoram solenemente a cultura e a literatura
afro-brasileira. Mas sou otimista, acho que estamos indo em frente, no
caminho certo. Nosso núcleo de pesquisas da UFMG recebe e-mails de
professores do Brasil todo, empenhados em trabalhar esses conteúdos.
CE: Quais são os entraves para o ensino efetivo da literatura afro-brasileira nas escolas?
EAD:O principal entrave é o preconceito. Achar que
essa literatura é coisa menor, sem relevância ou qualidade estética. Em
seguida, outro entrave é a omissão que você vê nos manuais e nos livros
didáticos, que ignoram em grande medida esse segmento da literatura
brasileira.
CE: Quais são os caminhos que o professor de Ensino Médio deve
seguir para abordar o tema da literatura afro-brasileira nas salas de
aulas?
EAD: O primeiro caminho é ler os autores. Tenho certeza de que esses
professores, quando lerem Solano Trindade, Carolina de Jesus, Joel
Rufino dos Santos, Ney Lopes, Miriam Alves, Ana Maria Gonçalves, Oswaldo
de Camargo e muitos outros, vão gostar e, se forem de fato educadores,
vão querer levá-los para seus alunos.
CE: Como o senhor avalia a atual situação da literatura negra no Brasil? Existe espaço para esses autores nas grandes editoras?
EAD:É um espaço reduzido. Nos últimos 30 anos,
houve um grande incremento dessa literatura, mas a partir de esquemas
alternativos. Em São Paulo, você tem o grupo Quilombhoje, que publica
desde 1978, em forma de produção cooperativada, os Cadernos Negros.
Fora isso, há editoras pequenas focadas nessa produção. Aqui em Belo
Horizonte, temos duas editoras: a Mazza, com mais de 25 anos, focada
nessa temática, e, recentemente, a editora Nandyala. No Rio de Janeiro,
há a editora Pallas, com mais de 500 títulos publicados. Em São Paulo,
novamente, existe o Selo Negro, do grupo editorial Summus. Mas, quase
sempre, as grandes editoras ignoram essa produção, pois estão
preocupadas com autores canônicos e também com os best sellers.
Simbora chegar com a presença. Já combinei com mulher e filhos. Vou aproveitar e
levar o Cada Tridente em seu Lugar e Os Nove Pentes da África para
receberem Axé da autora.
Lançamento no Sarau da Brasa
Rua Professor Viveiros Raposo, 534 - Brasilândia
dia 07/04
horário 20h30